segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Em plena primavera, poderíamos ser só jardim dentro de nós.



Tenho um amigo que me desafia a olhar para dentro de mim diariamente.

Em geral é um exercício muito gratificante, pois procuro me esvaziar do que é pesado ou incômodo e me encher do que acalanta a minha alma.

Fica fácil olhar pra dentro toda vez que nossa casa interior está organizada, limpa, cheirosa...

Só que, sem ninguém combinar com você, começa uma obra bem empoeirada de um lado da sua casa. E do outro lado abrem uma igreja fanática, cheia de cânticos estridentes e gritos que lembram rituais de exorcismo.

Coitada da moradia do meu frágil ser!

Meditar ficou mais difícil. Sorrir ficou mais difícil. Não chorar ficou mais difícil.

Os gestos normalmente automáticos de acordar, escovar os dentes, tomar café da manhã...

Tudo que parecia ser uma rotina sob controle, exige agora um esforço descomunal.

Bem que, em plena primavera, poderíamos ser só jardim dentro de nós.

Quem disse?

De repente o ar começa a faltar.

As vias aéreas totalmente congestionadas.

Ausência sufocante.

Nesses momentos não há associação entre o que sabemos e o que sentimos.

As ações nem sempre coerentes com a razão.

Sou capaz de me fazer presente e ausente quase na velocidade da luz. Ou no segundo de um suspiro. Ou na pausa entre duas notas.

Você só quer sua casa perfumada e silenciosa novamente.

Naquele silêncio que faz o amor se espalhar.

Naquele poema que leu meus pensamentos num megafone. (Sabe aquela mistura de vergonha e alívio?)

Será que ainda podem ouvir minha voz de longe?

Será que você pode me ouvir agora de onde você está?

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Silêncio que vou me detonar!

Eu dançava. Dançava mais do que me era permitido na minha infância.

Dançava porque amava música e desde cedo descobri que meu corpo era mais um instrumento na sinfonia dos sons.

Não tive tapinha nas costas, nem ninguém na família super valorizando meus supostos dons artísticos.

Era aquela criação tradicional, onde arte é lazer e estudo é coisa séria. Estudo e arte evidentemente não convergiam.

Ser alguém é ter uma boa profissão.

Arte é entretenimento.

Eu sou crítica. Extremamente critica! Gosto de admirar trabalhos bem feitos. Sei identificar quando algo saiu bom por pura sorte, por talento nato, por muita dedicação ou pela soma de todas essas coisas.

Não foram meus pais que me proibiram de ver a dança como algo mais que um lazer de alguns dias na semana.

Foi meu aguçado senso crítico, que não encontrava em mim a extraordinariedade dos grandes artistas.

Quisera eu saber que a prática, mais que qualquer dom, leva à perfeição.

Namorei com a dança a minha vida inteira. Na maioria das vezes namorei escondido.

Quantas e quantas vezes ensaiei diversas coreografias o ano inteiro e não me permiti me apresentar, pois não me julgava boa o suficiente, ou com o corpo em forma o suficiente, ou porque achava que todas as minhas amigas da dança eram muito mais bonitas que eu?

E quando chegavam alunas novas com um, dois anos de dança, que estavam infinitamente mais avançadas que eu?

Como sempre tive dificuldade de não ser a melhor! Quanta vaidade me afastou de uma vida plena!

Sim! Alguém hoje estava elogiando minha auto estima. Meu Deus! Só eu sei quantas vezes abandonei as turmas porque não suportava me ver de frente para o espelho ao lado de pessoas tão lindas e com posturas impecáveis.

Na dança do ventre são 20 anos. Vintes anos de bastidores. Vinte anos de "Ai, Catarina! Pensei melhor e não vou me apresentar não!"

Dar a cara à tapa?

Expor um corpo imperfeito?

Demonstrar que a falta de dedicação está tornando minha dança medíocre?

Hoje foi dia para tudo isso.

Dancei um solo medíocre.

Não seria, se eu tivesse feito direitinho toda a coreografia que Hayffa e eu construímos conjuntamente, com tanto amor!

Mas eu estava lá no meio daquele palco que é e sempre foi minha casa:

O Palco do Teatro Tobias Barreto.

E eu não sei para que planeta meus pensamentos me levaram. Eu, sempre tão musical, não permiti que as notas tocassem minha pele.

Tinha alguma coisa muito errada? Não! Não tinha um milésimo do meu potencial. Claro! Quanto tempo me dediquei a estudar? A ensaiar? A descontruir todas as notas da música? Mais do que fiz em muitos anos. Menos do que quero para me satisfazer.

Sim, amores, é a prática e só a prática que leva à perfeição.

Mas sabe o que aconteceu?

Eu não me importei!

Não me importei de estar fora de forma.

Não me importei de estar meio fora do ritmo.

Não me importei por estar sendo observada por bailarinas que tanto respeito e admiro.

Eu estava era com um baita orgulho de estar vencendo minhas inseguranças, meus medos, meu ridículo perfeccionismo.

Estava maravilhada com minha entrega tão carente de um conteúdo que já tive e que os anos de pouca dedicação me tiraram.

Realizada em cada falha, em cada parte da coreografia que esqueci e medianamente improvisei.

Não conseguia ouvir a música, mas ouvia os gritos da minha grande amiga, parceira e para sempre torcedora, Catarina Hora, que berrava: "Sorria!"

Eu sorria por meio segundo, em gratidão à atenção de uma das maiores bailarinas do Brasil, e voltava a me fechar, concentrada e tensa por todos os erros que eu ainda estava por cometer.

Não sentia a vibração do chão que pisava, mas sentia os olhos generosos e brilhantes da minha coreógrafa, amiga e maior incentivadora, Hayffa Manzatto.

Eu não fui péssima, contudo não vou enganar vocês dizendo que arrasei na dança.

Mas, certamente posso assegurar que arrasei na vida!

E que venham os próximos micos, até que um dia eu assista um vídeo meu e diga: "Hoje dancei muito bem!"

Na dança burlesca eu e minhas amigas arrasamos muuuuuuuuuuuito! Mas esse "causo" fica pra outra hora.

Quero mandar um beijo para meu pai, que está aniversariando hoje. Para minha mãe. Para a Xuxa. Para todos aqueles sorrisos lindos da coxia (como todos são carinhosos comigo!). Para Lúcia Medina. Para todos os meus amigos e para vocês!

A melhor coisa do mundo é perder a vergonha de ser feliz!