domingo, 24 de julho de 2016

A Armadilha de Confundir o Trabalho que Realizamos com o que Somos


Esses dias uma amiga querida assumiu pela primeira vez um importante cargo de chefia.

Vendo minha alegria e leveza ao voluntariamente dispensar (quase na mesma época) um cargo similar, veio me questionar o que ela deveria fazer para não se apegar à nova função ou a esse poder novo que experimenta.

Conversamos sobre isso por alguns minutos, mas talvez tenha ficado muita coisa por dizer, então refleti um “cadinho” mais:

Sou incapaz de julgar as escolhas dos outros. Só posso, humildemente, compartilhar um pouco da minha experiência, que pode lhe servir de inspiração, caso você se identifique comigo.

Isso vai soar bem clichê, mas a primeira premissa é ter em mente o estado em que nos encontramos.

É a mais pura verdade quando dizemos que estamos exercendo a chefia ao invés de afirmarmos que somos chefes de alguma coisa.

Sabe por quê? Porque nossa vida é cheia de papéis e apostar todo nosso ser no cargo que desempenhamos é, no mínimo, guardar todos os ovos na mesma cesta.

E aí está a grande primeira armadilha: Confundir o trabalho que você realiza com o que você é.

Costumo dizer que sou uma bailarina/escritora que exerce advocacia pública.

Só que isso também é uma grande brincadeira.

Amanhã posso deixar de dançar, perder a capacidade motora ou mesmo mental de escrever. Ou posso, tranquilamente, largar minha atual profissão, seja lá por qual motivo, e, FELIZMENTE, não vou deixar de ser a mesmíssima Dea.

Gosto de gostar de graça. Amar, ser amada. Rir e chorar, sozinha ou cercada de pessoas que me fazem bem.

Outra armadilha igualmente perigosa é gastar tudo que ganhamos, especialmente com os acréscimos salariais das funções de liderança.

Creio que, depois da sensação prazerosa de poder, o que mais causa apego a um cargo é acreditar que tivemos um aumento salarial.

É preciso compreender que toda chefia é transitória.

E isso, lembro que cheguei a comentar com minha amiga.

Que tal não contar com essa grana extra? Que tal aprender a investir essa diferença salarial que veio ao invés de incorporá-la ao seu padrão de vida?

Impossível não se apegar ao cargo, quando você fez mil dívidas contando com essa grana extra.

É uma tentação, eu sei, mas não estou aqui dizendo para doar o acréscimo. Apenas para poupá-lo.

Entender que é um lucro que aceitamos de bom grado, sem perder a consciência de que amanhã ou depois a vida seguirá e muito provavelmente as circunstâncias lhe tirarão da zona de conforto.

Quando ganhamos uma posição de destaque em nossas carreiras, devemos ser gratos à oportunidade, pois certamente é fruto de reconhecimento à nossa competência. E quando perdemos? É porque perdemos nosso valor profissional? De forma alguma!

A maioria das vezes perdemos porque chegou o momento de outra pessoa receber a mesma valorização.

Não dá para levar decisões profissionais para o lado pessoal. Acredito que a mesma gratidão que nos pôs num posto, deve ser diariamente cultivada, inclusive quando da nossa saída.

Você já notou que as pessoas que confundem ser e ter são péssimas companhias?

São pessoas de um assunto só. Quem acredita que é médico, que é diretor, que é engenheiro, que é servidor público, que é patrão, normalmente só fala sobre trabalho ou sobre o que o dinheiro pode comprar com a remuneração por esse trabalho. A conversa fica chata, não é?

Que tal dedicar-se com a máxima entrega naquelas horas dedicadas à sua profissão, porém ter igual dedicação à sua família, aos amigos, aos seus hobbies?

É distribuir seus ovos de ouro em várias cestas. Se a cesta profissional cair, quebrando todos os seus ovos, você ainda poderá matar sua fome de vida com as cestas familiares, de amizades e de amor próprio.

E compreenderá que ciclos precisam ser fechados, até para que outras oportunidades melhores possam chegar.

No mais, aproveitem sempre a chance de usar o poder temporariamente concedido para operar mudanças que tornem melhor o ambiente do trabalho, deixando muita saudade quando o mundo girar.



Um comentário:

  1. Amei o texto. Compreender a transitoriedade de todas as coisas, boas ou más, nos faz mais leves e isso torna a viagem bem mais leve...Iria além. Estou Soayan. Quando me for, ah! Isso é outra história!!!

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